quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sobre a hipérbole...













Outro dia, andando pela cidade, percebi que estavam demolindo a antiga fábrica de cortiça Corkisol, já abandonada há décadas. Até outro dia era um lugar bastante interessante, com seus arcos de treliça de madeira cobrindo grandes vãos e a sua chaminé, visível de longe e até hoje a construção mais alta daquela região. Estavam demolindo e ninguém parecia se importar. É como se fosse a próxima etapa de um processo natural: uso, desuso, abandono, demolição. É assim e pronto.
*As fotografias foram tiradas durante o processo de demolição.
Implantada às margens dos trilhos centenários da Estrada de Ferro Goyaz, tinha seu próprio ramal ferroviário, infelizmente retirado outro dia pela FCA.















Outro dia, conversando com funcionários antigos da fábrica, me disseram que lá já foi um moinho de ossos de animais. Somente mais tarde é que se transformou numa fábrica de cortiças e revestimentos acústicos, aproveitando uma cortiça especial produzida pelo cerrado. Mas com o tempo, a matéria-prima vegetal começou a ficar muito escassa, tendo que ser buscada cada vez mais longe. Ao mesmo tempo, aconteceu a invasão dos materiais sintéticos à base de petróleo e assim a fábrica foi perdendo mercado, até ser fechada e abandonada. Outro dia, procurando pelo nome “Corkisol” na internet, verifiquei que existem várias fábricas com o mesmo nome espalhadas pela Europa e que hoje Portugal responde por 50% da produção mundial de cortiça.







Após o fechamento da fábrica, dizem que os terrenos ficaram sub-judice por conta de ações trabalhistas, dentre outros problemas. O tempo foi passando, e a degradação só aumentou até que outro dia foi demolida.




Mas gente doida vive vendo coisas. Outro dia, eu imaginava que um lugar daqueles poderia dar um ótimo equipamento urbano para a cidade, que sanaria várias das necessidades básicas da população. Exemplos bem-sucedidos espalhados pelo Brasil não faltam, seja para o esporte, lazer, cultura...E esses usos dependem muito mais da criatividade das pessoas do que dos orçamentos. As estruturas da fábrica de cortiça me lembravam bastante uma antiga fábrica na Pompéia paulistana, outro dia transformada num SESC pela arquiteta Lina Bo Bardi, hoje um marco da arquitetura nacional.












Nossa mania de destruição é exagerada. Mais uma vez a cidade de Araguari abriu mão de ter um lugar de convergência tão importante quanto é hoje a antiga estação (palácio). Ninguém nega que a requalificação da estação ferroviária, outro dia, revitalizou e valorizou muito a região ao seu redor, mais do que faria a demolição e construção de uma avenida (outro dia amplamente recomendadas pelas mentalidades ordinárias das pessoas e veículos de comunicação). Nós ainda não conseguimos ver que esses benefícios podem ser estendidos a outros lugares, que transformariam completamente a qualidade de vida da nossa cidade. Mas de alguma forma nossa mentalidade medíocre não nos deixa ver muito longe. E vamos ficar felizes com mais um loteamento onde outro dia existia uma fábrica, igual aos que existem em todas as cidades. Mas essa mentalidade destruidora, de ações de emergência, sem planejar ou discutir não é “privilégio” só dos araguarinos. É uma parte dos meandros da cultura brasileira contra a qual não podemos deixar de lutar.












Perdemos muito, mas ainda é tempo de mudarmos as nossas mentalidades para que não aconteça o mesmo com o Cortume, com a Dafruta e outros prédios industriais extraordinários. É por casos assim que fica nítido que somente com educação e conscientização poderemos acreditar que amanhã vai mesmo ser outro dia.





Veja mais fotos da Fábrica de Cortiça Corkisol: http://picasaweb.google.com/efgoyaz/FabricaDeCortica#







Textos sobre o SESC-Pompéia:





8 comentários:

  1. Parabéns Gláucio pelo blog, pelas palavras, pelas imagens... sempre passo por aqui!

    ResponderExcluir
  2. lindas fotos e palavras

    sabe que foi ai que o leandro fez o tfg dele????

    ai glaucio isso muda?

    ResponderExcluir
  3. Pois é Gláucio, infelizmente não é só em Araguari que fazem o "uso, desuso, abandono, demolição" .
    Esse mês em Luziânia derrubaram a primeira delegacia da cidade,um patrimônio de 160 anos!!

    ResponderExcluir
  4. Pois é, Raquel. Essa fábrica era mesmo o TFG do Leandro. E já tive notícias de outros projetos e trabalhos envolvendo esse espaço.
    Quanto à delegacia, Jordano, o que me assusta nem é a demolição. É a naturalidade e o silêncio que fica.

    ResponderExcluir
  5. é. dura realidade de nossas cidades. mas como ninguém enxerga a cidade como algo de todos e sim como terra de ninguém, a ponto de jogar lixo no chão e em terrenos baldios. enquanto isso não mudar, demolir e destruir será a regra.

    mto bem gláucio!

    ResponderExcluir
  6. Ainda que o poder econômico desrespeite a história, que sorte você ter fotografado, senão diriam um dia que nunca existiu coisa alguma por ali. Não sei qual é o problema do brasileiro que insiste em apagar a própria memória. Sempre visito suas fotos e parabenizo-o pelo excelente registro que faz do nosso patrimônio.

    ResponderExcluir
  7. É realmente triste a falta de visão!
    O Brasil é um país com um potencial enorme, tanto natural quanto cultural. E a cada dia desperdiça mais seu potencial, em prol de um desenvolvimento burro que não leva em consideração nada além de números...

    Essa fábrica era muito interessante.

    ResponderExcluir
  8. Parabéns Glauco, seu trabalho me valeu por um retorno a minha infancia. Passei parte dela morando bem defronte esse moinho, aliás fui testemuna da sua construção, e como moravamos do outro lado da linha onde tambem tinha um curral embarcadouro para gado, ficava encantada por ver o trabalho dos pedreiros elevando a chaminé. Hoje estou fazendo uma pesquisa pra escrever minhas memorias, pois desde os 16 anos moro fora de Araguari, e buscando dados deparei com suas otimas fotos e noticias.
    Mesmo triste pelo abandono que encontrei, fiz uma viagem no tem . Suas fotos estão muito belas.
    Obrigada! Um abraço.
    Eunite Terra

    ResponderExcluir