sábado, 4 de fevereiro de 2012

No Coração do Universo...



Gosto do som dos meus pés pisando a estrada.
Depois de poucas horas caminhando, já posso ver, ao descer a pequena colina, um grupo mais denso de árvores. No meio delas, algumas paredes resistindo.
A curiosidade é grande. Haverá pessoas morando lá? Será que o prédio está muito destruído?
Já mais perto, começo a ver mais detalhes. Posso ver que ainda há um telhado. Mas não há mais ninguém morando.



É uma bela estação ferroviária. Esquecida. Ou o que sobrou dela. O sol amarelado do final da tarde forma desenhos bonitos contra o céu extremamente azul. Os trilhos ainda são usados, mas ninguém mais desce ali. O vento frio e leve de maio passa abaixando os capins floridos. Só me lembro de ver esse tipo de capim em ferrovias.
O silêncio é imenso. Só é quebrado vez ou outra por um estalo nas janelas ou rangidos das madeiras.
Dentro do prédio, muito caco de vidro. Muito caco de tudo. Trata-se de um documento em escombros.



De dentro, por frestas e rombos nas paredes dá pra ver o pátio. Ruínas de casas e instalações ferroviárias. Tijolos e telhas de barro. Esses fragmentos são pais e mães de muitas cidades e de muita gente.
Olhando mais uns segundos dá pra imaginar aquele lugar cheio de gente. Trabalhadores carregando coisas. Pais e filhos curiosos esperando o trem. Ansiedade das pessoas.



Mas hoje a ansiedade é outra: uma arquitetura do aguardar em agonia. Um lugar que ficou no limbo da memória. Algo que sumiu do cotidiano das pessoas ainda existe, apesar de ainda estar no mundo físico? Algumas vezes dá pra sentir que deseja terminar logo seus dias de existência. Algumas vezes dá pra ouvir seus uivos de socorro. De quem não quer desaparecer.



Na minha distração ouço um uivo muito mais forte. Olho pela janela, trepidando cada vez mais forte e vejo que se aproxima um trem. Mas não é um trem de passageiros. Nem dá muito tempo de ver, porque passa a toda velocidade um trem de contêineres. E vai embora sem parar. O chiado dos trilhos vai desaparecendo e volta o silêncio costumeiro.



A luz do dia também vai sumindo. Deito na rampa da plataforma e fico olhando para o céu. A estação é um ser vivo e a plataforma é o seu coração. Não há uma só nuvem no céu, que vai tomando cores incríveis. Já dá pra ver uma estrela, mais uma e mais uma.



O céu do mês de maio é muito bonito. O escuro tomou conta de tudo e a cantoria leve dos grilos é hipnotizante. Aquele céu tem algo de irreal. A relativa distância pra qualquer cidade ajuda nesse espetáculo. E não tem mais ninguém pra ver. As estrelas ficam tão fortes e tão próximas que dá pra acreditar que aquela estação se desgrudou do chão. Todo esse cenário, todo esse espetáculo é uma sinfonia preciosa que foi esquecida pela humanidade.



O cansaço do dia começa a bater e a sinfonia da noite se torna o mais belo acalanto que existe. E assim eu não percebo quando caio num sono profundo, olhando para o céu e com a cabeça apoiada nas mãos sob a nuca, deitado no coração do universo.